Um trabalho de conclusão de curso carrega a autoridade de que
o futuro arquiteto-urbanista apreendeu uma serie de conhecimentos
imprescindíveis para o exercício da profissão. Ele é um atestado da aptidão
adquirida durante anos, e mesmo sendo um recorte pessoal dentre as inúmeras
possibilidades de temas instigados durante a graduação, apontam predileções,
inquietações, curiosidades, desejo de solucionar os problemas da cidade e os
calos da arquitetura. Muitas vezes se dispõe a ser um último ensaio acadêmico
antes de se partir para uma prática mais severa, na qual a fantasia e o
exercício de “possíveis” é talhado pelo ritmo do capital. De certa maneira, dos
graduandos se espera um arcabouço firme de referencias teórica e instrumentação
técnica que legitima a dita responsabilidade técnica e ética.
Esse trabalho procura compreender as insensibilidades
provocadas pelos espaços construídos e não construídos, ou seja, aqueles
outorgados por arquitetos-urbanistas e por modelos pré-definidos de cidades que
ignoram a contingência do acaso e do tempo. Procura compreender o local
desse profissional como propositor de dinâmicas de intensificação da vida e não
como prestador de serviço acrítico e tecnocrático¹.
Não me distingo dos demais graduandos ao fazer também eu um
recorte que aponta claramente as predileções citadas anteriormente. No entanto,
não quis hesitar em me debruçar sobre questões relativas à própria
epistemologia da arquitetura, que não ambiciono esclarecer aqui, mas por não
ser tratar de um argumento de fundamentação tautológica, é instigante ao
apresentar inúmeros desvios a uma suposta lógica interna.
Com isso, quero dizer que causa espanto os superpoderes a
nós delegados, fechados em uma categoria de conhecimento especializado e
amparada por uma instrumentação técnica, quase um receituário de como proceder
diante das demandas. Interessam-me os atravessamentos dentro do campo da
arquitetura e do urbanismo, uma espécie de interferência nas bordas de uma
massa amorfa, que ao permitir a incorporação de aspectos de outros saberes,
problematiza seus próprios limites.
Essa investigação busca um questionamento da atuação do profissional
tendo como matriz conceitual a problematização das fronteiras disciplinares que
categorizam territórios distintos de especialidades. A própria ideia de atuação
profissional implica num jogo de forças em uma arena de incessantes
negociações. Diante das variáveis complexas e inter-relacionáveis que compõem
as cidades, torna-se imprescindível na contemporaneidade, a dissolução e
liberdade de trânsito entre campos delimitados de saberes e um retorno do olhar sobre a própria prática como
produtora de novas sínteses e emissora de enunciações que necessitam ser
revisitadas e destituídas de seu caráter homogeneizador.
Esse trabalho, portanto, expressa indagações sobre o
ensino/formação do arquiteto, uma vez que o âmbito acadêmico pode perpetuar
determinados paradigmas incapazes de apreender as atuais dinâmicas espaciais da
condição urbana²; a prática profissional, ao propor uma atuação engajada em
dispor perguntas/questionamentos muito mais que oferecer respostas e
finalmente, trazer experiências metodológicas provenientes da dança, teatro e
performance para causar as turbulências (imprevisíveis) nos limites do campo da
arquitetura e do urbanismo.
O terceiro ponto nasce de meu forte envolvimento com a dança
e as questões relativas ao corpo que se intensificaram com o ingresso na
universidade. Dançando, experimentando gestos, explorando o espaço,
confirmava-se cada vez mais a similitude desses processos com a capacidade da
arquitetura - e por extensão a cidade - em gerar novas percepções e partilhas
do sensível, mais liberta de determinismos/formalismos* e aberta a
apropriações pessoais e coletivas. A constatação da importância do
reconhecimento da inerência de uma “dança” na movimentação de todos os corpos
na cidade se revelou consoante à tarefa de enxergar nas frestas da cidade as
subversões dos usos pelos seus praticantes. Seria mais ou menos como pensar
que, da mesma forma que a dança não é exclusiva a bailarinos e coreógrafos, a
cidade e a arquitetura não são construções apenas de arquitetos. Muito pelo
contrário, seria necessária uma equalização política dos papéis desses atores-autores
para que de fato a arte, a arquitetura e a cidade se tornem construções sociais,
coletivas e compartilháveis.
As questões relativas ao corpo são, portanto premissa para
se pensar todos os tópicos a que se propõe o trabalho.
Bárbara Veronez
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