segunda-feira, 9 de julho de 2012

uma tentativa de introdução fictícia



Um trabalho de conclusão de curso carrega a autoridade de que o futuro arquiteto-urbanista apreendeu uma serie de conhecimentos imprescindíveis para o exercício da profissão. Ele é um atestado da aptidão adquirida durante anos, e mesmo sendo um recorte pessoal dentre as inúmeras possibilidades de temas instigados durante a graduação, apontam predileções, inquietações, curiosidades, desejo de solucionar os problemas da cidade e os calos da arquitetura. Muitas vezes se dispõe a ser um último ensaio acadêmico antes de se partir para uma prática mais severa, na qual a fantasia e o exercício de “possíveis” é talhado pelo ritmo do capital. De certa maneira, dos graduandos se espera um arcabouço firme de referencias teórica e instrumentação técnica que legitima a dita responsabilidade técnica e ética.
Esse trabalho procura compreender as insensibilidades provocadas pelos espaços construídos e não construídos, ou seja, aqueles outorgados por arquitetos-urbanistas e por modelos pré-definidos de cidades que ignoram a contingência do acaso e do tempo. Procura compreender o local desse profissional como propositor de dinâmicas de intensificação da vida e não como prestador de serviço acrítico e tecnocrático¹.
Não me distingo dos demais graduandos ao fazer também eu um recorte que aponta claramente as predileções citadas anteriormente. No entanto, não quis hesitar em me debruçar sobre questões relativas à própria epistemologia da arquitetura, que não ambiciono esclarecer aqui, mas por não ser tratar de um argumento de fundamentação tautológica, é instigante ao apresentar inúmeros desvios a uma suposta lógica interna.
Com isso, quero dizer que causa espanto os superpoderes a nós delegados, fechados em uma categoria de conhecimento especializado e amparada por uma instrumentação técnica, quase um receituário de como proceder diante das demandas. Interessam-me os atravessamentos dentro do campo da arquitetura e do urbanismo, uma espécie de interferência nas bordas de uma massa amorfa, que ao permitir a incorporação de aspectos de outros saberes, problematiza seus próprios limites.
Essa investigação busca um questionamento da atuação do profissional tendo como matriz conceitual a problematização das fronteiras disciplinares que categorizam territórios distintos de especialidades. A própria ideia de atuação profissional implica num jogo de forças em uma arena de incessantes negociações. Diante das variáveis complexas e inter-relacionáveis que compõem as cidades, torna-se imprescindível na contemporaneidade, a dissolução e liberdade de trânsito entre campos delimitados de saberes e um retorno do olhar sobre a própria prática como produtora de novas sínteses e emissora de enunciações que necessitam ser revisitadas e destituídas de seu caráter homogeneizador.
Esse trabalho, portanto, expressa indagações sobre o ensino/formação do arquiteto, uma vez que o âmbito acadêmico pode perpetuar determinados paradigmas incapazes de apreender as atuais dinâmicas espaciais da condição urbana²; a prática profissional, ao propor uma atuação engajada em dispor perguntas/questionamentos muito mais que oferecer respostas e finalmente, trazer experiências metodológicas provenientes da dança, teatro e performance para causar as turbulências (imprevisíveis) nos limites do campo da arquitetura e do urbanismo.
O terceiro ponto nasce de meu forte envolvimento com a dança e as questões relativas ao corpo que se intensificaram com o ingresso na universidade. Dançando, experimentando gestos, explorando o espaço, confirmava-se cada vez mais a similitude desses processos com a capacidade da arquitetura - e por extensão a cidade - em gerar novas percepções e partilhas do sensível, mais liberta de determinismos/formalismos* e aberta a apropriações pessoais e coletivas. A constatação da importância do reconhecimento da inerência de uma “dança” na movimentação de todos os corpos na cidade se revelou consoante à tarefa de enxergar nas frestas da cidade as subversões dos usos pelos seus praticantes. Seria mais ou menos como pensar que, da mesma forma que a dança não é exclusiva a bailarinos e coreógrafos, a cidade e a arquitetura não são construções apenas de arquitetos. Muito pelo contrário, seria necessária uma equalização política dos papéis desses atores-autores para que de fato a arte, a arquitetura e a cidade se tornem construções sociais, coletivas e compartilháveis.
As questões relativas ao corpo são, portanto premissa para se pensar todos os tópicos a que se propõe o trabalho. 

Bárbara Veronez

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